Fadas contra a crise
Antonio Gonçalves Filho
Ilustração de livro infantil deixou de ser coisa de criança. Entusiasmados com a demanda das editoras de olho nas compras governamentais de livros paradidáticos- que, a exemplo da Companhia das Letras e Cosac Naify, criaram selos especiais para o público infanto-juvenil - ilustradores se articulam para vender o produto de seu trabalho de forma mais organizada. Quem sai ganhando com a profissionalização é o leitor.
Impressionada com o aumento do nível das ilustrações de livros dirigidos a crianças e jovens, Ieda de Oliveira, professora carioca de Teoria da Literatura, até defendeu uma tese sobre o assunto e lançou pela editora Difusão Cultural do Livro (DCL) O Que é Qualidade em Ilustração no Livro Infantil e Juvenil, segundo de uma série de três volumes dedicados ao tema com a participação de escritores (o primeiro) , ilustradores (o segundo) e educadores (o terceiro, a sair ainda este ano pela mesma editora). Como um cartão de visitas, a Sociedade dos Ilustradores do Brasil (SIB) lançou um catálogo com alguns dos principais ilustradores que integram a associação. Em ambos os livros, um nome se destaca, o do premiado ilustrador Odilon Moraes, que faz a apresentação dos colegas no catálogo e acaba de lançar uma nova versão de seu A Princesinha Medrosa pela Cosac Naify, editora de outros livros ilustrados pelo arquiteto e artista que agora, com o "boom" dos livros destinados ao público infanto-juvenil, firmou com ela um contrato muito especial. Odilon foi desafiado a apresentar os projetos mais difíceis para a editora - desses que os concorrentes automaticamente recusam pelos altos custos gráficos e ambições artísticas. E A Princesinha Medrosa é o primeiro desafio vencido. Com ilustrações inéditas, o livro, também escrito por Moraes e anteriormente publicado pela Companhia das Letras, ganha novo formato e capa em baixo-relevo - aparentemente, apenas um capricho formal do autor mas que, no final das contas, acaba por revelar a prevalência do projeto do criador nas novas negociações com os editores. A capa de Odilon mostra o rosto de uma princesinha escondida atrás de uma janela, que se abre em relevo na capa branca, clara homenagem do ilustrador a um dos mais belos livros infantis, O Reizinho das Flores, da ilustradora tcheca Kvelta Pacovská, em que as primeiras páginas têm, ao centro, um buraco pode onde se entrevê a figura imóvel do monarca. Os cenários mudam, mas o rei permanece impassível com o passar das páginas. Já com a princesinha de Odilon, escondida atrás da janela com medo da solidão e do escuro, ela vê crescer o cenário e diminuir o trauma da sua incomunicabilidade à medida que a história avança. Ao se perder da comitiva, encontra seu perfeito interlocutor na figura de um pequeno súdito que conta estrelas à beira de um riacho. Se, no livro da tcheca Pacovská, o texto tratava do tédio do reizinho mesmo que a paisagem ao seu redor mudasse, o de Odilon precisava reforçar a solidão da princesinha - e nada mais indicado que isolá-la no canto da capa, numa janela em relevo, usando o design para reforçar sua fobia.
Esse é um dos aspectos estudados pela acadêmica Ieda de Oliveira em seu livro sobre ilustradores brasileiros, o da correspondência entre texto e imagem e a qualidade estética dessa literatura, que muitos julgam "menor" por ser dirigida a crianças. Ela, então, apresentou um questionário a consagrados autores brasileiros e portugueses e o resultado apontou para uma literatura que, ao contrário, apresenta um conteúdo tão sofisticado quanto o da literatura para adultos.
A professora usou anteriormente o conceito de "contrato de comunicação" do teórico francês Patrick Charaudeau- o da possível aceitação de um acordo entre o autor e o leitor que decide o êxito de uma obra - para definir a literatura infanto-juvenil (em sua tese de doutorado O Contrato de Comunicação da Literatura Infantil e Juvenil, publicada pela editora Lucerna). De fato, o que se vê hoje na ilustração de livros para crianças é uma preocupação maior com o leitor adulto que já tem _ ou deveria ter- o olhar suficientemente educado para passar a "mensagem" do ilystrador/autor às crianças. "Sem esse contrato de comunicação, até mesmo a crítica se equivoca na análise do livro infantil, ao usar o mesmo método de análise da literatura para adultos", observa Ieda de Oliveira. "Há um preconceito contra o ilustrador, como se ele não fosse também autor", diz. "E até os professores, que deveriam ensinar as crianças a ver, ignoram a parte visual por absoluta falta de formação", conclui a estudiosa.
Clipping enviado pela assessoria de imprensa da Ed. DCL: