Minha vida tem episódios engraçados e insólitos. Um deles diz respeito à Alice Vieira. Estava eu, um belo dia, na UFRJ, isso lá pelos idos de 1992, quando a Elisabeth Vasconcelos falou da Alice Vieira. Fiquei bastante curiosa e encomendei alguns livros dela e um, entre os belíssimos textos, me tomou por completo: foi o hilariante
Graças e Desgraças na Corte de El- Rei Tadinho. Naquele momento, determinei que queria fazer um estudo daquele texto e entrevistar a autora. Ninguém sabia muita coisa dela, apenas que morava em Portugal. Entrei em contato com o Editorial Caminho, por onde ela publicava, mas sem resultado. Passado algum tempo, conversando com um amigo português, contei que queria conhecê-la e ele disse: "Ai é? ela é muito minha amiga". Aí ele fez as primeiras apresentações e passamos a nos falar por telefone. Bem, acabei em Lisboa, num encontro muito divertido, mas não tão divertido como os muitos outros que se sucederam, que acabaram nos transformando em amigas de infância.
Alice está fazendo trinta anos de literatura de qualidade e recebendo de Portugal a justa homenagem a que tem direito. Reproduzo aqui a entrevista publicada hoje no jornal Correio da Manhã.
Entrevista: Alice Vieira
"Se dá trabalho também dá prazer" Alice Vieira, escritora há 30 anos, está de parabéns “por tantos e tão bons livros”, slogan da megacampanha que a Leya lhe preparou em surpresa. Até o neto dar o alarme.
Correio da Manhã – Como é que "uma escritora de manias" mas sem "a mania das grandezas" lida com uma megacampanha que inclui posters e crachás...
Alice Vieira – Só comecei a perceber que havia qualquer coisa por aí quando todos os jornais, de repente, queriam falar comigo... E quando um dos meus netos, o Diogo, disse: "Na FNAC há um cartaz com uma cara igual à tua. Só não és tu porque a do cartaz tem o cabelo azul..." Uma das coisas de que mais gosto na campanha é desse meu súbito cabelo à Wanda Stuart!
– E que manias são aquelas de que é pecadora confessa?
– Antes de começar a escrever tenho de limpar a mesa, ponho um caderno moleskine novo ao lado do computador, encho a parede em frente com fotografias das pessoas que amo e escolho o CD que me vai acompanhar durante o tempo de escrita. Cada romance tem a sua música de fundo... O próximo, a começar no dia 1 de Agosto, vai ter a ‘Mãe’ do Rodrigo Leão.
– Além do merchandising, a editora vai enviar um livro seu para Timor por cada postal que uma criança lhe escreva... Ideia sua?
– Foi. Achei boa ideia ligar a minha paixão pela escrita à minha paixão por Timor... Timor só suscita reacções extremas: ou se odeia ou se ama. Senti que ia ficar ligada desde o momento em que pisei aquela terra. E as pessoas são tão cativantes, abraçam-nos, querem sempre aprender mais. A única coisa que vi as crianças pedir foi lápis.
– Este é o Ano Alice Vieira?
– Todos são. Estou contente por os meus patrões se lembrarem de festejar os meus 30 anos de trabalho, mas não vou trabalhar mais nem melhor... O que dá trabalho, dá prazer e já tenho encomendas para três romances, um livro de crónicas e um texto para o maestro Eurico Carrapatoso musicar para a Orquestra Metropolitana de Lisboa...
– E a sua relação com a poesia?
– É uma relação diferente da que tenho com o resto da minha produção. Acho que devia ter usado outro nome, não como pseudónimo, mas como heterónimo porque, em poesia, sou mesmo outra pessoa.
– Desde a estreia, com ‘Rosa, Minha Irmã Rosa’, o que mudou?
– Tudo. O Mundo. Um mundo sem telemóveis nem laptops, sem via verde nem multibanco, sem televisão por cabo nem microondas, sem CD nem Zara... E nós vivíamos!
PERFIL
Alice Vieira completou este ano 66 de idade, 40 de jornalismo e 30 de literatura. Com obra feita e premiada em todos os géneros, é nos jovens que tem os mais fiéis leitores e, já em Setembro, recebe em Gotemburgo, o Prémio Peter Pan. Há dois anos descobriu a poesia e, dois livros mais tarde (‘Dois Corpos Tombando na Água’ e ‘O Que Dói às Aves’), é oficial: temos poeta!
Dina Gusmão