terça-feira, 30 de setembro de 2008

O que penso sobre o acordo ortográfico

Deus deu a palavra ao homem
e ao diabo, a ortografia.
Por isso eles se comem
nessa ortoantropofagia
.”

Acho que esses versos de Manuel Bandeira ironizando as freqüentes alterações ortográficas definem de forma modelar as inquietações geradas pelas mudanças na escrita.
Em 1911 Portugal adotou a chamada ortografia simplificada, que consistia em abolir o ph, y, as consoantes dobradas que não fossem ss, rr, cc, bem como dígrafos do tipo rh, th, ch com valor de /k/, etc.

O Brasil aderiu a essa reforma em 1916, mas recuou em seguida, ficando oscilante entre o sistema “simplificado” e o etimológico até a década de 40, quando houve um acordo ortográfico luso-brasileiro em 1943 e outro em 1945, tendo ficado Portugal com este último e o Brasil, surrealisticamente, com o de 1943. Foram acordos ou desacordos, afinal de contas?

Na verdade, fizeram-se em 1945 algumas alterações que Portugal achou necessárias, entre elas eliminar o acento diferencial de timbre, que no Brasil só foi abolido em 1971. Mesmo depois de 1971, porém, restaram ainda diferenças entre a ortografia brasileira e a portuguesa, arestas que a atual reforma pretende aparar em nome da unidade ortográfica das oito nações de língua portuguesa. Por exemplo: em Portugal e nas ex-colônias se escreve camião, facto, húmido, director etc.

O que ocorreu foi que, a partir da década de 70, as ex-colônias portuguesas foram ficando independentes e a língua, que era de duas nações, passou a ser de oito, uma delas (o Brasil) com a ortografia de 1943, ligeiramente alterada em 1971, e os outros sete (Portugal e ex-colônias) com a de 1945.

Nesse sentido, a reforma é benéfica, na medida em que contribui para a unidade da língua, bem como facilita a médio e longo prazo o comércio de livros entre os países lusófonos, embora a curto prazo se pague um preço, na fase de transição, no sentido de que tenderá a haver inevitáveis encalhes. As editoras têm um prazo até 2010 para atualizar a ortografia nos livros, mas penso que o que irá reger esse prazo será a lei do mercado.

Eu, como podem constatar, ainda estou na antiga... por enquanto. E, cá para nós, acho que quem tem razão é o Klinger, quando diz que ortografia é um nome equivocado para designar qualquer sistema gráfico em que não haja “casamento monogâmico e indissolúvel entre fonemas e letras”, já que orthos em grego significa “correto” e correto é tudo o que a nossa “tortografia” – reformada ou não – não é.