Esta entrevista foi feita pela jornalista Paula Thomas para a editora DCL.
Bruxa e fada: uma escritora encantada.
A escritora Ieda de Oliveira nasceu no Rio de Janeiro, mas passou toda a infância e parte da adolescência em terra de contadores de causos: Minas Gerais. Foi lá que conheceu histórias de assombração, reis e rainhas, princesas e sapos e de bichos falantes – todas narradas por sua babá. Devo a Minas muito do meu jeito fantasioso de olhar o mundo transformando-o, de ver além do visível. Uma de suas primeiras leituras foi As mil e uma noites – nessa época sua babá de verdade deu lugar à Sherazade. Nesta entrevista Ieda fala sobre o processo de criação de um novo livro, de sua infância, da experiência como professora e das participações no Salão do Livro de Paris. Confira.
Editora DCL – Há quanto tempo você escreve para crianças?
IEDA DE OLIVEIRA – Comecei a escrever em 1985. Na época era professora universitária de Literatura Brasileira. A constatação da falta de informações por parte dos alunos sobre nossas origens étnicas foi o que me levou a pensar em produzir um trabalho que ludicamente levasse a uma reflexão sobre nossa identidade cultural. E isso a partir da infância. Foi aí que surgiu meu primeiro livro: Brasileirinho - História de amor do Brasil. Como sempre gostei muito de compor, resolvi fazer um trabalho lítero-musical. Um livro acompanhado de partituras musicais e um CD era meu projeto. As dificuldades para executá-lo foram muitas. Não só por ser uma estreante, mas também pelo caráter atípico do meu trabalho. Essa atipicidade, aliás, minha marca registrada, dava-se em variados níveis. Primeiro pelo tema proposto, segundo pelo modo como esse tema era tratado e terceiro por ser um trabalho de literatura e música. O resultado foi um belo engavetamento de anos. Meu primeiro livro de ficção, A visita, escrito em 1992, sem o “empecilho” da música, foi logo publicado. Esse é o marco inicial de minha carreira.
DCL – Existe algo de sua infância, na relação com os livros, que ficou até os dias de hoje?
IEDA – Tive a sorte de ter pais leitores e hábeis em não empurrar livros pela minha garganta abaixo, e mais sorte ainda de ter tido uma “babá” exímia contadora de histórias. Morávamos em Minas nessa época; e ela era do interior do estado. Sabia muitos e muitos “causos” e encantava minha mente com reis, rainhas, princesas, bichos falantes e histórias de assombração. Não me lembro de uma noite sequer que não tenha dormido sob encantamento. Quando ela se casou e foi embora, eu já sabia ler, e ocupou o seu lugar uma outra babá, a Sherazade, e suas “Mil e uma noites”. Acho que esse passado construiu a máquina de sonhar que me faz escrever.
DCL – Você acha que foi fundamental sua vida em solo mineiro para a formação da Ieda que hoje é escritora?
IEDA – Minas é pura magia. Em cada canto dos Gerais uma história, um encantamento. Passei minha infância e parte de minha adolescência lá, respirando essa beleza e mistério. Devo a Minas muito do meu jeito fantasioso de olhar o mundo transformando-o, de ver além do visível. Amo Minas Gerais e seu povo de fala mansa e sotaque que resgata a pureza. Essa escritora é produto dos Gerais sim, e sente-se orgulhosa de ter a alma mineiroca.
DCL – Das brincadeiras de infância, houve alguma que você colocou em algum livro?
IEDA – Algumas coisas que eram muito fortes em meu espírito continuam sendo até hoje. Uma delas era inventar palavras e músicas. Era minha brincadeira preferida. A primeira palavra que inventei foi RHAIMISCHIMBILIM. Todas as vezes que queria mergulhar no mundo mágico, a gritava bem alto. Aí eu podia ser tudo: bailarina, cantora, atriz, pássaro, princesa, tudo o que minha fantasia determinasse. Era meu abracadabra. Meu prazer era transformar. Brincava muito num terreno baldio imenso perto de minha casa procurando tesouros. Um fio de linha era fio de ouro, um pedaço de pano era parte do tapete de Aladim e assim por diante. O livro Rhaimischimbilim – o mistério da família Salles é revelador de parte desse mistério.
DCL – Gostaria que você falasse de onde veio a idéia de unir bruxa e fada numa única personagem.
IEDA – Foi num curso que fiz certa vez na universidade. Estávamos lendo textos teóricos sobre bruxas e fadas; e vi que não havia nenhum livro infantil que fizesse uma síntese dialética entre esses opostos, substituindo o ou pelo e. Não somos bem ou mal e sim bem e mal simultaneamente e nunca estamos sozinhos em nossas escolhas. Pela nossa boca falam os nossos ancestrais. Medos, anseios e outros sentimentos arquetípicos são representados e manifestados em nós e através de nós . A isso Jung chamou inconsciente coletivo. Nosso estado de espírito é que determina por qual dos nossos “eus” vamos optar. Se pelos que nos conectam ao mal ou pelos que nos conectam ao bem. Essa flutuação é que determina nossa humanidade. O Bruxa e fada menina encantada é produto dessas minhas reflexões.
DCL – Qual é a sua maior preocupação ao escrever um livro?
IEDA – Que seja belo e útil à sociedade.
DCL – Você gosta das ilustrações que fizeram para seus livros publicados até hoje?
IEDA – Gosto. Tenho a sorte de ser ilustrada por grandes profissionais, mas tenho naturalmente algumas preferências.
DCL – Existe algum tipo de relação ou contato com o ilustrador quando seus livros estão sendo ilustrados?
IEDA – Fica bastante complicado termos contato, não só por sermos às vezes de cidades diferentes, como por falta de tempo para isso, mesmo em se tratando de grandes amigos e às vezes vizinhos. Quando muito, a gente se fala por telefone, mas não interfiro nunca no trabalho deles.
DCL – No momento em que a inspiração de um novo livro vai para o papel, há o cuidado com a linguagem ou faixa etária à qual se dirigirá o livro, ou você considera que essas são preocupações do editor?
IEDA – Naturalmente que há. Não posso escrever para crianças dentro de um contrato de comunicação inadequado a elas. Tenho de definir claramente quem é meu leitor e a partir daí desenvolver as estratégias discursivas que vou utilizar. Isso passa pela sintaxe, pelo léxico e pela semântica. Se eu fizer uma construção tecnicamente sofisticada, que seria adequada a um leitor experiente, não devo destiná-la ao leitor iniciante, sob o risco de estar contribuindo para o desprazer da leitura e, em vez de ajudar a formar um amante da literatura, estar criando um detestante dela, como já existem muitos. Quanto ao editor, ele exerce um papel importante, mas de outra natureza.
DCL – De que maneira sua experiência em sala de aula, como professora, contribui no momento da criação e percepção das necessidades do leitor?
IEDA – O fato de ser professora de Teoria da Literatura me deu uma fundamentação teórica e uma consciência crítica bastante vantajosa na atuação como escritora. Para um escritor, talento, sem domínio técnico, é algo bastante complicado. Quando crio alguma coisa e o faço através da palavra, essa experiência se apresenta como elemento facilitador. É importante a consciência do processo de criação. O escritor tem de saber o que faz, por que o faz, que efeito deseja produzir com seu texto e que estratégias discursivas precisa utilizar para atingir esse objetivo. É fundamental ainda que ele pense no leitor, como co-autor e também decifrador dos enigmas que estarão pairando em seu texto.
DCL – Conte, resumidamente, sobre a sua participação no Salão do Livro de Paris.
IEDA – É a segunda vez que participo desse Salão. A primeira foi em 2001, por ocasião do lançamento do Brasileirinho. Estava em Paris e recebi o convite da Embaixada do Brasil. Não sabia do Salão, fiquei surpresa e achei ótimo. Agora fui de novo, relançando o Brasileirinho e outros títulos.
DCL – Quando será possível colher os frutos dessa viagem?
IEDA – Essa viagem já é em si um fruto colhido. Tudo o mais que recebi e tenho recebido vem por acréscimo; e eu sou muito grata por isso.
DCL – Quando foi que você descobriu ter nascido no Dia das Fadas? O que isso representou para você?
IEDA – Foi uma amiga japonesa, queridíssima, que me falou sobre o dia das fadas (07/07) e da simbologia do sete. Achei bem curioso porque realmente é um número muito presente em minha vida, e eu nasci realmente em 07/07, mas, daí a ser fada... Acho que fico mais confortável se comparada à minha personagem Maria, conhecida como menina encantada, porque, quando zango, viro bruxa e, quando amo, viro fada. Saiba mais sobre a Ieda pelo site: http://www.iedadeoliveira.com/