quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Mulheres fantásticas: Yeda Schmaltz



Muro da casa da Yeda em Goiás


Ainda dói falar da Yeda Schmaltz, que conheci nos idos de 1986 e que se dizia da geração de mil novecentos e Pearl Harbor. Poeta elogiada por Drummond, premiadíssima, professora de Estética da Universidade Federal de Goiás, foi ela que se apresentou a mim e de uma maneira inesperada. Um dia eu estava numa tristeza muito grande e de molho na cama, quando chegou pelo correio um livro. Abri-o. Vinha de uma poeta que não conhecia com uma dedicatória delicada. Era Yeda Schmaltz entrando redentora na minha tristeza com sua Alquimia dos Nós. Li de uma vez, vorazmente, e selei ali fidelidade. No outro dia escrevi para ela e depois nos falamos por telefone. E as conversas passaram a ser freqüentes. Ela enviou outros livros e alguns poemas me pegaram de tal jeito que os musiquei. Cantei ao telefone, fizemos planos. Não cheguei a gravá-los, mas estou pensando em fazê-lo. Posto aqui Cavalo de pau e Anima (que eu musiquei) e sua frase interface com a poesia de Drummond. Yeda faleceu em 2003.

"Sou maior que o mundo porque ele cabe inteiro nos meus olhos"

CAVALO DE PAU

Quando amo, sou assim:
dou de tudo para o amado
a minha agulha de ouro,
meu alfinete de sonho
e a minha estrela de prata.

Quando amo crio mitos,
dou para o amado os meus olhos,
meus vestidos mais bonitos,
meus livros mais esquisitos,
Meus poemas desmanchados.

Vou me despindo de tudo:
meus cromos, meu travesseiro
e meu móbile de chaves.
Tudo de mim voa longe
e tudo se muda em ave.
Nos braços do meu amado,
os mitos se acumulando:
um pandeiro de cigana
com mil fitas coloridas;
de cabelo envoaçando,
a Vênus que nasceu loura.
(E lá vou eu navegando.)

Nos braços do meu amado,
os mitos se acumulando,
enchendo-se os braços curtos
e o amado vai se inflando.
O que mais lamento
e o que mais me espanto:
o amado vai se inflando
não dos mitos, mas de vento
até que o elo arrebenta
e o pobre do amado estoura.
(Nenhum amado me aguenta.)


ANIMA

Os homens não me entenderam
me quiseram freira ou prostituta
me esteriotiparam
nunca me aceitaram
no que sou de santa e puta.

Só fizeram mesmo foi trair
os homens que não entenderam o amor
que abre o coração
junto com as pernas.
Escrevo com o meu corpo
sobre este veneno de cobra
que os homens me impuseram.
Pois os amei, os homens
que me sujaram
e me aborreceram
com suas gravatas,
e suas bravatas.
Igual a meu pai, que me batia
com o cinturão de soldado,
e me fez civil
pra sempre.